quinta-feira, 9 de maio de 2013

The Journey Down: Chapter One - Análise
















Em 2010, a desenvolvedora Skygoblin lançou um freeware pixelado e sem dublagem, que dois anos depois recebeu uma remasterização. Muito bem feita por sinal. Falarei aqui do primeiro capítulo (e único lançado até então) da série: The Journey Down: Over The Edge.


A jornada trata de dois irmãos de criação, Bwana e Kito, que administram o posto de gasolina do pai adotivo (que os abandonou de repente, sem motivo). Os dois acabam se envolvendo em uma teia de conspirações, quando uma universitária chega até eles em busca de um misterioso livro. O problema é que um poderoso magnata, dono de uma empresa suspeita, que deseja controlar toda a cidade, aparentemente também está atrás desse livro.

O capítulo um Over the Edge é uma espécie de prólogo, que inicia a aventura dos três.
Mais informações sobre como baixar a versão gratuita, no final da análise.


Arte de quem sabe o que faz

Vou começar focando nos sentidos visão e audição, que para mim, foram os mais agraciados pelo jogo. E ambos têm uma peculiaridade muito interessante no jogo: a forte influência africana. Vou detalhar cada aspecto a seguir.

Os gráficos do jogo são muito bonitos. A combinação dos ambientes pré-renderizados com personagens em três dimensões ficou suave, bem agradável de se olhar. Mas acho que mais importante do que os gráficos, é falar do estilo artístico do jogo, "carregado de África". O rosto de todos os personagens foram baseados (ou inspirados) em máscaras africanas. Por exemplo: Bwana, o personagem principal, foi inspirado em uma máscara do grupo étnico Chokwe (ou Côkwe), situado principalmente na Angola. Isso dá a cada personagem uma aparência única! Ok, sei que nós seres humanos também temos cada um, uma aparência única. Mas cada personagem tem um design diferente de rosto, o que é uma coisa bem mais extrema do que meras nuances. E isso me lembrou bastante Grim Fandango, mas falarei disso mais pra baixo.


Transformação: De máscara Chokwe para Bwana (clique para ampliar)

E a trilha sonora do jogo? Ahh a trilha sonora! Um jazz com uma pitada de reggae na dose exata, que me fez não querer começar o jogo só pra ficar no menu principal, para sempre, curtindo o som. Sério, eu nunca abria o jogo e apertava o continue antes de pelo menos um minuto viajando. E não só a composição, mas o arranjo dela dentro do jogo também foi trabalho de mestre. Cada ambiente tem sua própria trilha, que se encaixa muito bem. Bom, nesse quesito não tenho muito mais o que falar, Só ouvindo mesmo:




Não consegui encontrar a música do menu principal, mas no site do compositor (aqui), tem amostra de quase todas (se não todas) as músicas do jogo. Ah, e você pode comprar o álbum digital por lá também . Inclusive já tem um preview do que está por vir no próximo capítulo, com mais algumas amostras. E posso adiantar isso: pelo andamento da situação, o capítulo 2 de The Journey Down será tão delicioso de ouvir quanto esse.

Aproveitando o embalo do áudio, vamos continuar no tópico e falar das vozes. Claro que aqui, a influência africana continuou. Bwana e Kito têm um inglês com um sotaque africano fortíssimo, que eu adorei ouvir por sinal. Descobri que esse sotaque é quase tão agradável de ouvir quanto o inglês britânico (quase). A dublagem de Bwana, Kito, Lina e a maioria dos personagens está muito bem trabalhada. Mas infelizmente, alguns (poucos) personagens soam muito mecânicos, sem interpretação. Mas são poucos mesmo, o problema é que dá pra reparar.


Bwana e humor

Bwana é um cara interessante, no início não fui muito com a cara dele. Mas é só jogar um pouquinho e não tem como não se afeiçoar. Seus comentários são divertidos, e ele contorna seus problemas de maneira honrada (dentro dos limites de um jogo Adventure, claro). Digo isso porque personagens de adventures tendem a resolver seus puzzles de maneira nada politicamente correta (nem comentarei a cleptomania que aflige todos eles). Bom, não entrarei em detalhes quanto a isso agora, esse assunto merece um post todinho só pra ele.

Bwana precisa de canapés, será que ele vai roubar o pobre cozinheiro? (clique para ampliar)

Imaginei jeitos maquiavélicos de resolver os problemas que Bwana teve que encarar durante o jogo, e me surpreendi com minha imaginação vil, quando (ainda sob meu comando) ele se saía de maneira bem "light" das situações.

O jogo tem um humor ingênuo e honesto, sem apelações. E mesmo com essa simplicidade, é bem engraçado e divertido.


Pegar, empurrar, olhar, puxar? Nada disso!

Mecânica

Tudo bem que os (inúmeros) verbos dos adventures clássicos foram sumindo com o tempo, e isso não é problema nenhum. Muitos jogos implementaram outras formas de interagir com o cenário, ou se limitaram em USE e LOOK, que cá entre nós, realmente é só o que necessitamos mesmo na maioria dos jogos. Mas acho que em TJD, eles exageraram um pouquinho.

Quanta coisa hein! (clique para ampliar)
Aqui, nós não temos opção nenhuma. "Usamos" tudo o que clicamos! Nos adventures, eu gosto de olhar as coisas, antes de sair roubando interagindo com elas. Não é só por precaução, é um extra ao jogo, uma interação que pode fazer a diferença na imersão.

Por exemplo, imagina uma sala com um botão vermelho enorme piscando, antes de apertá-lo eu iria "olhar" o botão, e adoraria ouvir algum comentário do personagem. Qualquer coisa como "Não acho uma boa ideia" ou "Está pedindo pra ser apertado". Qualquer coisa mesmo, pode ser um comentário cômico, ou alguma reação inesperada. Mas não. Eu clico no botão, o personagem em silêncio vai até ele, aperta, e a sala inteira explode. Ninguém mexe em alguma coisa sem antes pensar (o que no caso do jogo, deveria ser verbalizado, para chegar até o jogador). Não parece que fica faltando alguma coisa? (Isso não foi spoiler, apenas um exemplo :P)


Capítulo 42: Esvaziando sua carteira

Já que estou falando da estrutura do jogo, vou pichar essa moda de lançar os jogos em capítulos. Acho isso extremamente desnecessário, e até agora não sei se eles fazem isso para poder lançar o jogo sem a produção estar completa (por isso a divisão), ou se é só para acabar extraindo das pessoas mais dinheiro do que o jogo vale (disfarçadamente eles cobram cinco parcelas de 15 dólares, em um jogo que custa no máximo 45). No caso de TJD, acho que realmente o produto não está pronto, já que nem data de lançamento o segundo capítulo tem ainda. Diferente da Telltale, que quando anuncia um jogo, lança um capítulo por mês.

Esse capítulo um mais pareceu um prólogo pra mim. Terminei em apenas duas horas, jogando na maior calma, sem dar nenhuma olhadinha na internet para resolver os quebra-cabeças. Acho duas horas pouquíssimo, não dá nem pra esquentar.


Puzzles

Achei os quebra-cabeças do jogo bem balanceados. Não são daqueles que se resolve instantaneamente. Exige raciocínio, testes, andar pra lá e pra cá, investigar bem os cenários, mas nada absurdo. Como disse anteriormente, levei duas horas para terminar o jogo sem nenhum auxílio externo (aka trapaçear na internet). O tempo de resolução médio dos puzzles é exato para apreciação e sensação de recompensa máxima: não tão rápido que faça o puzzle parecer insignificante e sem graça, e nem tão demorado a ponto de desestimular o jogador.

Sinto cheiro de... Morte.

Agora o tópico que eu estava mais ansioso para escrever: a semelhança do jogo com Grim Fandango.

A primeira vez que vi o trailer do jogo, na mesma hora veio na minha cabeça "Epa, isso me lembra Grim Fandango". O estranho é que eu não sabia explicar o porquê, eu simplesmente sentia a semelhança. Mas hora bolas, qual a relação entre uns caras com sotaque estranho, e o mundo dos mortos mexicano? Assisti o trailer mais algumas vezes, mas mesmo ainda fiquei sem saber. A única coisa imediata que deu para perceber foi a música. Bom, terminei o capítulo um e cheguei a algumas conclusões.

O texto seguinte não contém spoilers, tudo que vou citar está na abertura do jogo.

- Música: Essa foi a descoberta imediata. O jazz que ouvimos durante o jogo deixa aquele clima Grim Fandango "no ar" (noir, badumtss). A pequena diferença, é que aqui o som é ligeiramente regado a reggae (de novo?), mas isso é bem sútil. De qualquer maneira, ter sua trilha sonora comparada com a de Grim Fandango é uma tremenda honra.

Poesia que Manny recita para a lua, em Rubacava. (clique para ampliar)
- Conspiração e corrupção: Como TJD está em seu primeiro capítulo, a trama ainda não está muito clara. Mas dá pra perceber que tem algum figurão poderoso por trás da misteriosa Armando Electric Co., companhia que está tomando conta da cidade. É fácil fazer a ligação com o vilão da Terra dos Mortos, Hector LeMans.

- Clima Noir: É indiscutível que Grim Fandango é um jogo noir. Todo o estilo visual, a moralidade ambígua do mocinho, a trilha sonora, os gangsters, tudo. Já The Journey Down não contém todos os elementos do gênero. Mas a trilha sonora e os capangas que estão no encalço do professor na abertura do jogo já são o suficiente para passar aquele feeling noir.
- Rosto do personagens: As marcas únicas que cada personagem tem no rosto, herança de máscaras de tribos africanas, lembram muito as texturas que a galera de Grim Fandango leva no crânio (literalmente).

As "assinaturas" de cada personagem em seus rostos. (Clique para ampiar)

- Etcéteras: Talvez eu esteja forçando em alguns aspectos aqui, mas vou colocar todas as ligações que meu cérebro fez com Grim Fandango enquanto eu jogava, mesmo que algumas delas pareçam exageradas. Uma coisa que eu percebi logo que assisti o trailer foi a semelhança do escritório do professor que está sendo perseguido na abertura do jogo, com o local de trabalho de Manny Calavera. Pode ter sido mera coincidência ou não, mas a semelhança é inegável. Outra situação é quando Bwana está no quarto do seu pai, e se você clicar na Lua, ele recita algumas palavras, assim como Manuel faz em Rubacava.

Móveis com a mesma disposição do escritório do Manny. (Clique para ampliar)

Algumas dessas comparações parecem bastante pertinentes, enquanto outras parecem forçadas e apelativas. De qualquer maneira, sendo esses fatos coincidência ou não, acho que está claro que alguma coisa o pessoal da Skygoblin aproveitou, e que eles gostam bastante de Grim Fandango, e usaram este como inspiração na produção de seu próprio jogo.


Conclusão

The Journey Down começou bem em seu primeiro capítulo. O estímulo visual e musical que o jogo nos proporciona é muito forte. O toque africano foi uma bela adição ao jogo, trazendo detalhes que fizeram toda a diferença. Na parte visual, as máscaras únicas que cada personagem têm como rosto. E na auditiva, a mistura de estilos inesperada do jazz com o reggae funcionou perfeitamente para a criação da atmosfera do jogo.

O humor do jogo é inocente e divertido, que não restringe limites de idade, mas que com certeza vai satisfazer igualmente todas as faixas. Os puzzles também seguem essa linha: nada muito difícil e nada muito fácil. Mas que ainda assim não permitem um gameplay mecânico demais, te obrigando a se concentrar e pensar enquanto joga.

Como nem tudo são flores, TJD acaba pecando na mecânica. O fato de todas as ações serem atribuídas a um único clique do mouse é uma coisa ruim. Nem sempre você quer cutucar tudo o que você clica em adventures. As vezes o jogador só quer olhar determinado personagem ou item, para ouvir um comentário do protagonista. E por esse motivo, os verbos "use" e "look" se confundem muito aqui.

Pelo fato do jogo ser dividido em capítulos, ele tem a duração muito curta e a trama ainda não foi tão desenvolvida. Essa divisão é bem desagradável, pois além de fragmentar a experiência, o jogo muitas vezes acaba saindo (disfarçadamente) por um preço muito mais caro do que deveria.

The Journey Down é um jogo excelente e muito bem acabado, que estreou bem e vale a pena ser jogado. Agora resta esperar a continuação, e torcer para alguns dos mistérios serem revelados no próximo capítulo da série.


Nota: 4/5

Positivo:
- Influências africanas na parte visual e musical colaboram com a atmosfera
- Dublagem bem feita, e com sotaques fieis.
- Humor livre restrições etárias

Negativo:
- Duração
- Divisão por capítulos (acaba encarecendo o produto final)
- Mecânica de apenas um botão de ação

Trailer:



Informações:

Título: The Journey Down: Chapter One
Plataforma: PC (Linux, Mac, Windows), Android, iOS
Desenvolvedor: Skygoblin
Publisher: Skygoblin
Gênero: point-and-click adventure (comédia)
Lançamento: 9 de janeiro de 2013
Comprar: Steam


Baixando a versão freeware:
Se voê quiser fazer um test drive do jogo antes de comprar, você pode baixar uma versão SD do jogo no site oficial. Só clicar em "Play the free version". A experiência não é a mesma do jogo pago, já que esta tem menos músicas, não é dublada nem em alta definição, mas é uma boa pedida para quem quer dar uma olhada no produto antes de gastar dinheiro.